quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

nosso tempo, drummond

Esse é tempo de partido, tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.
Visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,
penhor de meu sono, luz
dormindo acesa na varanda?
Miúdas certezas de empréstimos, nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos.
Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!
Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir.
Primeira parte de NOSSO TEMPO - Carlos Drummond de Andrade.

Tudo leva que o nosso tempo de Drummond acaba sendo o nosso tempo meu. Que o tempo que passou segue passando, nunca chegando ao não passar.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

das coincidências do tempo


Oi Gente.

Hoje é o dia Internacional dos Direitos Humanos, instituído dois anos após a ONU adotar a Declaração Universal do Direitos Humanos como marco legal regulador das relações entre governos e pessoas, 1950.

Voltando para nosso querido 2013, dia 10 de dezembro também foi o dia escolhido para que fosse votado o Conselho LGBT, pauta antiga do movimento social, sendo o projeto protocolado em uma cerimônia (http://www.rs.gov.br/noticias/1/116773/Governo-protocola-tres-projetos-de-lei-na-Assembleia-Legislativa) e recebido pelo presidente em exercício da Assembleia Legislativa do RS, no dia 25 de outubro, prometendo na ocasião que seria votado em regime de urgência, a fim de que a conquista batesse com a coincidência do simbólico dia.

Eis que a compa Ana Naiara Malavolta nos esclarece via Facebook:

"DENÚNCIA!
VOTAÇÃO DO PROJETO DO CONSELHO ESTADUAL LGBT DO RS É RETIRADA DE PAUTA POR PRESSÃO FUNDAMENTALISTA NO LEGISLATIVO ESTADUAL.
Hoje a Assembléia Legislativa retirou o pedido de URGÊNCIA da votação do projeto estadual do Conselho LGBTT - akguém advinha que bancada estava por trás disso?
Está na hora de os governantes e os governos DECIDIREM DE QUE LADO ESTÃO: não se pode governar sem tomar posição em relação a temas tão relevantes:
ESTADO LAICO DE FATO!!!! É isso que queremos no RS e no Brasil.
BASTA DE FUNDAMENTALISMOS RELIGIOSOS!"

No dia em que relembramos os preceitos de tão importante declaração, fica marcado que, em prol da governabilidade e de interesses dos mais variados, demandas de proteção à discriminação e à promoção de direitos se mostram negociáveis, pouco valem. A retirada do conselho da pauta, de maneira rasteira, subtrai interesse de minoria em prol de interesses preconceituosos e limitadores de direito, colocando uma parcela da população que é discriminada por simplesmente ser diferente, mais uma vez como pessoas de segunda categoria.

No dia em que se prega o preceito da igualdade e da não-discriminação, as minorias sexuais foram, objetivamente, colocadas como menores e menos importantes pela dita casa do povo.

Curiosamente, hoje também é o aniversário do Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade, instituição que eu faço parte com o maior orgulho. Talvez a coincidência desses três acontecimentos colidirem no 10 de dezembro seja para lembrar que, apesar de diariamente o Estado violar e dar às costas aos princípios erigidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, sempre vai ter que enfrentar a resistência de coletivos de pessoas que no passar do tempo vão lutar por um mundo mais igual, diverso e plural.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

transitando entre o machismo e a normatividade na propaganda


A gente sempre questiona propagandas, não é mesmo? O que elas querem nos vender ou que modelo de consumidor elas buscam a fim de que o lucro das empresas que contratam essa galera de óculos de aro grosso e desfilam maçãs mordidas prateadas seja cada vez maior.

Ah, pera, a gente não faz isso. A gente não questiona, não problematiza e não costuma responsabilizar o papel da publicidade na reprodução de estereótipos. 

Mas deveria.

Então a nossa equipe resolveu separar uma pequena lista de propagandas que nos fazem, após um olhar apurado, ver que o buraco dos tais papeis impostos para nós em nossas vidas nos é empurrado goela abaixo das maneiras mais variadas.

Detergente Ypê



Que beleza é ser homem, não é mesmo? Enquanto nos preocupamos em mandar no mundo as mulheres cuidam da casa escolhendo o melhor detergente possível. Eu realmente torço para que essa fila seja uma mensagem subliminar problematizando a robotização do feminino na publicidade de maneira subjetiva. Mas acho que o recado é esse daí que deu pra ver mesmo.

OMO



Coisa mais linda a mulher moderna voltada para o lar, ensinando as filhas o real valor da família: lavar roupa e fazer bolo para o VARÃO

RAID 




Aqui era o auge do discurso da liberdade feminina na mídia: coisas do tipo "quem disse que mulher não consegue lidar com barata?"


DR OETKER



Aqui a gente consegue manter o patriarcado colocando Freud na roda. Na verdade eu nunca vou conseguir entender esse mito da sogra megera e do homem entre os dois amores. Creio que a única lição que se tira é que esse modelo de macho é tão pateta que vive entre duas mães. Espero que ele coma a certa.


HEINEKEN



Sacaram? Sacaram? Mulher pira com armário e homem com geladeira... de cerveja. Eu vejo a cerveja como o cigarro dos anos 2000: mexe com liberdade, festa, é bonito tomar uma cerveja. E a mulher não bebe nem gosta, tá preocupada demais vendo roupas, sapatos.

NOVA SCHIN




Eu realmente não entendo como é que uma propaganda tão misógina e agressiva foi veiculada por tanto tempo. Os caras são invisíveis e ABUSAM SEXUALMENTE DAS MULHERES. Tiram roupa à força, invadem vestiário. A mensagem que a propaganda passa é a pior possível: "se você estiver invisível, pode", que é a mesma coisa que "se ninguém estiver vendo, pode".

MARGARINA


Esse post não podia terminar sem propaganda de margarina. Todo mundo heterossexual, branco, feliz, com uma família bem padrão FIFA, pulando na cama e cantando pra câmera dentro da geladeira, feliz e sem precisar se preocupar com a vida que lhes foi ofertada sem questionar nem problematizar nada. Como é bom ser maioria, não ver nem se preocupar com essas coisas chatas.

¯\_(ツ)_/¯



playboy e o homem livre

Jean Meslier teve uma frase modificada e utilizada por Voltaire e posteriormente por Dénis Diderot: "o homem só será livre quando o último rei for estrangulado com as entranhas do último padre”. Citei toda a trupe principalmente para tentar esconder o meu obscuro desejo de chupar o dito na cara dura e dizer que foi meu, embora seja impossível, eis que a busca pela citação ultrapassou a barreira do tempo e do enciclopedismo (fico pensando como seria isso em dias de grandes ensaios sobre plágio acadêmico e a devida responsabilização).

De qualquer forma, o que eu quero dizer não tem nada a ver com isso tudo, mas sim com a liberdade. diz a Playboy que o homem nasceu para ser livre. 



Claro que o recado tem endereço: discussões acerca do feminismo e a crítica ao comportamento do homembrancoheterossexualclassemédiaqueapareceemcomercialdemargarina, a normatividade que vem sendo castigada por uma onda de bem fundamentadas críticas. Isso e a conscientização do que é e como se constitui a identidade de gênero e como essa peça imposta por repetição na nossa cabeça constrói nosso comportamento.

Estou tentando entender que o dono da bola que rouba dinheiro da criançada e manda no parquinho se sinta ameaçado. Mas, pelo menos ao meu ver, não se trata de cravar a bandeira no solo do inimigo. É descontruir a ótica do inimigo. É não haver conflito, um patamar de igualdade, no mínimo. Ainda temos que considerar todas as minorias tidas como abjetas que são subestimadas e alocadas em uma condição de cidadania de segunda classe que também merece voz e alcance de direitos, por mais diminutos ou subjetivos que sejam. Mas vamos reduzir ao absurdo a nossa lógica aqui só para não assustar.

Claro que isso vai acabar com alguns privilégios para esse homem moderno tão sofrido, acuado e agredido, como se esfregar em mulher em transporte público lotado, chamar de gostosa aquela que agradar aos olhos em plenos pulmões ou colocá-las, cotidianamente, no que entendem que seja o seu devido lugar (cozinha, casa, maternidade etc).

Mas não se acanhem. A liberdade não é tão ruim assim, manifestantes pela liberdade masculina. Se os espaços públicos trarão alguma dificuldade de exprimir a demonstração de misoginia inerente ao discurso, lembrem-se: sempre haverá aquela confraria amiga de masturbação coletiva* para que o macho continue a perpetuar sua eterna paixão pelo ser macho.

*verdade, acontece mesmo em um contexto heterossexualmente tido como natural.