quarta-feira, 26 de junho de 2013

AINDA SOBRE A FAMIGERADA PEC 37 por Samuel Sganzerla

Pretendia escrever a minha opinião sobre a PEC 37, a Emenda Constitucional que teve sua rejeição transmitida por memética pelo povo brasileiro.

No entanto, o colega Samuel, vizinho de galeria e companheiro de pensamentos colocou em palavras meu posicionamento. Copio e colo na íntegra. Boa reflexão.

Tirei daqui.

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Vejo muitos amigos comemorando como “vitória do povo” a ampla derrota da Proposta de Emenda à Constituição nº 37/2011. Agora que baixou a poeira, vou me permitir escrever um pouco sem cair no debate maniqueísta que vinha sendo feito.

Ao debate: deixou de ser aprovada uma “PEC redundante”. Sim, porque o que previa a chamada “PEC 37″ era deixar a competência exclusiva da investigação criminal com as Polícias Civis dos Estados e a Polícia Federal, acrescentando o § 10º ao artigo 144 da Constituição Federal. Ela não passou. Logo, o Ministério Público continua investigando… sem previsão legal!

Simples: o artigo 129 da Constituição Federal atribui as funções institucionais do Ministério Público. Dentre elas, NÃO está a de proceder a investigação criminal. O MP pode exercer o controle externo da atividade policial, requisitar a abertura de inquérito à autoridade policial, instaurar inquérito civil (para o fim específico de propor a Ação Civil Pública) e, obviamente, promover a ação penal (denunciar as pessoas acusadas de terem cometido crimes, em boa língua).

Não está lá naquele rol a instauração de inquérito penal (e, portanto, a investigação criminal) pelo Ministério Público. Então, quem tem atribuição para tanto? Exatamente: a Polícia Federal e as Polícias Civis do Estado, no aquela não for competente. A estas, segundo o artigo 144 da Constituição Federal, cabe apurar as infrações penais e exercer as atividades de polícia judiciária.

A verdade é que o MP não tem previsão legal para investigar. A interpretação da lei que se faz é extensiva. Entendo isso, porque é competência do MP promover a acusação em ação penal e porque o inquérito policial é totalmente dispensável a esta. Sim, o inquérito é dispensável, por uma simples razão, que é absurdo em pleno século XXI ainda termos que discutir: SÓ EXISTE PROVA NO PROCESSO. Tudo que precede o início da ação penal promovida pelo MP no Judiciário são INDÍCIOS que vão FUNDAMENTAR A DENÚNCIA QUE O MP VAI OFERECER EM JUÍZO – salvo o caso das provas antecipadas (que precisam ser autorizadas pelo juízo) e das irrepetíveis (como as perícias).

Mas e estes indícios? E, por exemplo, interceptações telefônicas (que devem sempre ser autorizadas previamente pelo juiz competente e deverão ser submetidas ao contraditório da defesa também)? A competência, pela legislação, de coletá-los é da Polícia. O Ministério Público, em juízo, vai apresentar eventuais provas documentais e vai colher a prova oral. Simples.

“Mas tem muita corrupção na polícia”, tem gente dizendo. Amigo, a Polícia está na linha de frente no combate à criminalidade, nas investigações. Não se o iluda que, se o MP estiver investigando em massa, não se iluda que os seus investigadores estão isentos de serem cooptados ou corrompidos . Aconteceu, inclusive, na Itália, quando Promotores foram afastados de suas atribuições (e não se iludam que, com a quantidade de investigações abertas no Brasil, os Promotores de Justiça estariam atuando em campo em todas).

“E nos casos envolvendo grandes figurões da política? As polícias são vinculadas ao Executivo”. E é exatamente esse debate que quem conduziu a discussão sobre a PEC 37 como a “PEC da impunidade” conseguiu matar antes mesmo dele iniciar. E não me venham dizer que juristas como o Luís Roberto Barroso, o José Afonso da Silva e até (ainda que seja triste citar essa figura detestável) o Ives Gandra Martins não sabem nada de nada por serem favoráveis à PEC 37 e só os “paladinos da justiça na luta contra a impunidade” que sabem alguma coisa.

Por que delegados de polícia, que atuam muito mais em campo na apuração de infrações penais do que os Promotores, não têm as mesmas garantias que estes? Por que a Polícia Federal e a Civil não podem ser uma instituição autônoma como o MP? Por que, tendo todas autonomia administrativa e orçamentária, não poderiam ter comissões para atuar em investigações conjuntas – dando maior publicidade aos atos, preservando, inclusive, os direitos do investigado, ao se admitir que há sim ampla defesa e contraditório na fase pré-processual?

Mesmo sem ter autonomia e os recursos do MP, vale lembrar que Mensalão, Satiagraha, Rodin, Concutare foram grandes investigações realizadas pela Polícia Federal. A mesma que comanda as grandes operações em crimes internacionais, diga-se E pense em todos os crimes comuns, que ocorrem cotidianamente em todo o país. Quem investiga? Quem apura? Exatamente: a Polícia Civil.

Querem que o Ministério Público investigue? Sinceramente, é uma alternativa ao velho modelo do Inquérito Policial também. Querem continuar com o sistema de investigação tal qual a que temos hoje no Brasil? É uma opção, mas bastante controversa, visto que não há previsão na Constituição para o MP proceder as investigações criminais, como bem explicitou o Ministro Cézar Peluso no julgamento do Recurso Extraordinário nº 593.727.

Então, seria interessante deixar expressamente previsto na Constituição que o Ministério Público tem o poder de apurar as infrações penais também – em respeito ao Princípio da Legalidade, para não cair em conceitos abstratos, subjetivos e metafísicos de juristas que detêm o poder constituído sobre “fazer justiça” (sempre é válido perguntar: e da bondade dos bons, quem nos salvará?). Que tal, portanto, os entusiastas ao combate à “PEC da Impunidade” se esforçarem agora para fazer a “PEC do Ministério Público” e tornar completamente lícita a situação que vêm defendendo há tempos?

P.s.: e, hoje, quem fiscaliza as ações do Ministério Público!? Ninguém!

Cura gay: autor de projeto diz que esperava ser aplaudido por homossexuais

O nobre autor do projeto sabe interpretar a Constituição Federal do mesmo jeito que eu sei criar sapos.

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Autor do projeto que legaliza a “cura gay”, deputado João Campos (PSDB-GO) diz que esperava aplausos de homossexuais

Autor do projeto da ‘cura gay’, dep. João Campos (PSDB-GO) em oração durante sessão de comissão no Congresso Nacional (Foto: Ag. Câmara)
O autor do projeto apelidado de “cura gay”, deputado federal João Campos (PSDB-GO), afirmou que a proposta não pode ser chamada de cura porque seu propósito é oferecer igualdade perante a lei.

Campos disse ainda que achava que a comunidade homossexual apoiaria sua iniciativa: “Até pensei, quando apresentei esse projeto, que teríamos os aplausos inclusive dos ativistas do segmento LGBT. Porque nesse projeto, uma das finalidades é a gente resgatar a premissa inicial do artigo 5º da Constituição, de que todos são iguais perante a Lei. E essa resolução do Conselho Federal de Psicologia ofende esse princípio na medida em que discrimina o homossexual e não dá o mesmo tratamento ao heterossexual”, afirmou o deputado, segundo informações da coluna Poder Online.

“Estranhamente [os ativistas LGBT] se colocaram contra”, lamenta o deputado. O texto do Projeto de Decreto da Câmara (PDC) 234 propõe derrubar a resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que proíbe psicólogos de atenderem homossexuais que busquem ajuda profissional para mudar sua orientação sexual. “No PDC 234 defendo a autonomia do profissional de psicologia. A resolução do CPF ofende o inc. XIII do artigo 5º da CF [Constituição Federal]”, diz João Campos, que faz parte da bancada evangélica na Câmara dos Deputados.


Os artigos 3 e 4 da resolução nº 1/1999 do CFP dizem textualmente que os profissionais não podem propor “tratamento e cura das homossexualidades”.

daqui

terça-feira, 25 de junho de 2013

Žižek at Wall Street

Procurando por uma transcrição legal do discurso do Žižek em Wall Street, achei o blog do Ralf & do pluralismo radical com a melhor transcrição em português que eu vi. Vale a leitura. Boa reflexão.



Transcrição da fala do filósofo e professor esloveno Slavoj Zizek a manifestantes do movimento Occupy Wall Street no Parque Zuccotti, em Nova York, em 09.10.2011. Tradução brasileira de Ralf Rickli, 12.10.2011 (nós brasileiros perdemos muito com tradução portuguesa de Luís Leiria, publicada dia 11 no Esquerda.net e na Carta Maior). Note-se que se trata de uma contribuição informal, não uma aula sistemática. Também fica claro que Zizek não tem mais soluções ou rumos a apontar que nós - mas mesmo assim levanta muitos pontos que merecem leitura e reflexão. Bom proveito!
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Estão dizendo que todos nós somos uns perdedores, mas os verdadeiros perdedores estão ali em Wall Street. Eles foram socorridos por bilhões do nosso dinheiro. Nos chamam de socialistas - mas aqui sempre tem socialismo para os ricos. Dizem que nós não respeitamos a propriedade privada, mas no colapso financeiro de 2008 foi destruído mais de propriedade privada conquistada com sacrifício do que se todos nós aqui nos dedicássemos a destruir dia e noite por semanas. Eles dizem que somos sonhadores. Sonhadores mesmo são os que pensam que as coisas podem continuar indefinidamente do jeito que estão. Nós não somos sonhadores: nós somos o despertar de um sonho que está virando pesadelo.

Não estamos destruindo nada. Estamos apenas testemunhando como o sistema está se destruindo. Todo mundo conhece a clássica cena de desenho animado: o gato chega a um precipício mas continua andando, ignorando o fato de que não há nada embaixo servindo de chão. Ele só cai quando olha para baixo e percebe isso. E é isso o que nós estamos fazendo aqui: estamos dizendo pros caras lá em Wall Street: "Ei, olhem pra baixo!"

Em meados de abril de 2011, o governo chinês proibiu qualquer história que apresente realidades alternativas ou viagens no tempo, seja na tevê, cinema ou livro. Isso é um bom sinal quanto à China: as pessoas ainda sonham com alternativas, então você tem que proibir esse sonho. Aqui [nos Estados Unidos] não é preciso proibir, pois o sistema no poder oprimiu até a nossa capacidade de sonhar. Vejam os filmes que a gente vê o tempo todo. É fácil imaginar o fim do mundo, um asteróide destruir toda a vida e assim por diante. Mas não se consegue imaginar o fim do capitalismo.

Então, o que nós estamos fazendo aqui? Me deixem contar uma velha piada dos tempos comunistas, que é ótima. O sujeito foi mandado da Alemanha Oriental pra trabalhar na Sibéria. Ele sabia que a sua correspondência seria lidas por censores, então ele disse aos amigos: "Vamos combinar um código. Quando vocês receberem uma carta minha, se for escrita em azul, o que eu estou dizendo é verdade. Se for escrita em vermelho, é falso". Um mês depois, seus amigos recebem a primeira carta. Toda em azul. A carta diz: "Tudo está maravilhoso aqui. As lojas estão cheias de comida boa, os cinemas apresentam bons filmes do ocidente, os apartamentos são grandes e luxuosos. A única coisa que não se acha é caneta vermelha".

É assim que nós vivemos. Temos todas as liberdades que queremos. O que nos falta é tinta vermelha: uma linguagem em que seja possível articular a nossa desliberdade. O modo de falar de liberdade que nos ensinam - guerra ao terror e coisas assim - falsifica a liberdade. E é isso que vocês estão fazendo aqui: vocês estão fornecendo tinta vermelha a todos nós.

Há um perigo. Não se apaixonem por si mesmos. Desfrutem estes momentos aqui, mas se lembrem: fazer carnaval é fácil. O que importa é o dia seguinte, quando vamos ter que voltar às nossas vidas normais. Terá havido alguma mudança, então? Eu não quero que vocês se lembrem destes dias como, vocês sabem: "Ah, nós éramos jovens, aquillo foi lindo". Lembrem que a nossa mensagem básica é: "Nós temos o direito de pensar em alternativas". Nós não vivemos no melhor dos mundos possíveis quando as regras são quebradas; há um longo caminho pela frente. Existem questões realmente difíceis que nos confrontam. Nós sabemos o que não queremos. Mas o que é que nós queremos? Que forma de organização social pode substituir o capitalismo? Que tipo de novos líderes nós queremos?

Lembrem-se: o problema não é a corrupção ou a ganância. O problema é o sistema. Esse sistema força você a ser corrupto. Cuidado não só com os inimigos, mas também com falsos amigos que já estão trabalhando para diluir este processo. Do mesmo modo que você tem café sem cafeína, cerveja sem álcool, sorvete de creme sem gordura, eles vão tentar fazer disto um protesto moral inofensivo. Um processo descafeinado. Mas a razão de estarmos aqui é que já estamos fartos de um mundo em que basta reciclar latas de Coca-Cola, dar alguns dólares para entidades sociais, ou comprar um cappuccino da Starbucks do qual 1% vai para crianças morrendo de fome no terceiro mundo, para nos sentirmos bem. Depois da terceirização do trabalho e da tortura, depois que agências de casamento vem terceirizando nossa vida amorosa, podemos ver que temos permitido desde há muito que também a nossa participação política seja terceirizada - e nós a queremos de volta.

Se comunismo significa aquele sistema que desmoronou em 1990, nós não somos comunistas. Lembrem-se que aqueles comunistas são hoje os capitalistas mais eficientes e impiedosos. Na China de hoje temos um capitalismo que é ainda mais dinâmico que o seu capitalismo americano, mas não requer democracia. Quer dizer: quando você criticar o capitalismo, não se deixe chantagear com a acusação de que você é contra a democracia. O casamento entre democracia e capitalismo acabou. Está sendo possível mudar.

O que percebemos hoje como possível? Deem uma olhada na mídia. Por um lado, na tecnologia e na sexualidade, tudo parece ser possível. Dá pra viajar para a lua, dá pra se tornar imortal pela biogenética, dá pra fazer sexo com animais ou o que for - mas olhem o campo da sociedade e da economia: aí quase tudo é considerado impossível.Você quer aumentar os impostos dos ricos um pouquinho... eles dizem que é impossível: iríamos perder competitividade. Você quer mais dinheiro para o sistema de saúde, eles dizem: "impossível, isso significa estado totalitário". Tem algo de errado num mundo que promete tornar você imortal, mas não pode gastar um pouquinho mais com o sistema de saúde.

Quem sabe a gente deva definir as nossas prioridades justo por aqui: não queremos um padrão de vida mais alto; queremos um padrão de vida melhor. E o único sentido em que somos comunistas é que nos preocupamos com os bens tidos em comum (the commons). Os bens comuns da natureza. Os bens comuns que são privatizados pela propriedade intelectual. O bens comuns da biogenética. É por isso, e só por isso, que deveríamos lutar. O comunismo teve um fracasso absoluto, mas os problemas dos bens comuns continuam aqui.

Estão dizendo que nós aqui não somos "americanos". Mas é preciso recordar uma coisa aos conservadores fundamentalistas que alegam ser "americanos de verdade": o que é o cristianismo? É o Espírito Santo. O que é o Espírito Santo? É uma comunidade igualitária de pessoam que creem, ligadas pelo amor de umas pelas outras, e que para realizá-lo dependem somente de sua própria liberdade e responsabilidade. Neste sentido, o Espírito Santo está aqui agora. E lá em Wall Street o que há são pagãos adorando ídolos blasfemos.

Então, tudo o que precisamos é de paciência [Nota do tradutor: parece mais provável que Zizek tenha dito ou pretendesse dizer "persistência"]. A única coisa de que eu tenho medo é de daqui a uns dias a gente simplesmente vá para casa e depois se encontre uma vez por ano para beber cerveja relembrando nostalgicamente: "que momento gostoso nós tivemos ali". Prometam a si mesmos que este não será o caso. Sabemos que muitas vezes as pessoas têm desejo por alguma coisa mas não a querem de fato. Não tenham medo de querer de verdade aquilo que vocês desejam. Muito obrigado.

Qual o sentido da ordem sem liberdade?

Mas o homem, e ainda mais a mulher, que pode ser acusado de fazer ‘o que ninguém faz’, ou de não fazer ‘o que todos fazem’, é alvo de tantos comentários depreciativos como se tivesse cometido um grave delito moral. John Stuart Mill, Sobre a Liberdade, p. 106.”

Qual o interesse do movimento social, ou em particular da minha pessoa, em defender uma pessoa de bunda de fora em uma manifestação pública?

Creio que toda a manifestação que vai contra os comportamentos impostos deve ser comemorada e defendida. Vivemos em uma sociedade que ainda pauta o certo e o errado, que ainda quer controlar os atos do indivíduo, seja com seu corpo, seja em suas relações entre particulares, se relacionando afetivamente ou não.

A liberdade de uma bunda ser exposta interfere diretamente na cultura que impõe a estagnação de comportamentos e limita a livre expressão sexual. A discrição e o respeito são argumentos usados para reprimir um beijo entre pessoas do mesmo sexo é dado na rua, quando carinhos são trocados em um bar.

Atitude, discrição e respeito emergem aqui como categorias que remetem a diferentes modos pelos quais sujeitos situados em dadas posições em relações sociais de poder marcadas por eixos de diferenciação como classe, raça, geração, gênero e sexualidade procuram agir, ou, dito de outro modo, maneiras pelas quais mulheres acessadas em minha pesquisa procuram fazer algo daquilo que lhes parece ter sido feito delas. (Regina Facchini, – Políticas para “lésbicas” e para “sapatões”: diversidade, diferenças e o enfrentamento ao heterossexismo, em CORPO, políticas de enfrentamento ao heterossexismo, p. 118).


A uniformização do comportamento, a limitação da nossa forma de expressar necessita problematizar a liberdade e defendê-la na sua plenitude. O direito pela liberdade de se expressar como bem quiser está acima de pudores. Aliás, o pudor nada mais é do que uma construção social. A moçoila mostrar os tornozelos já foi algo mal visto e tido como agressivo, desrespeitoso. Em algumas regiões ainda é.
No que toca o respeito à ordem, somente se questiona o que tange tal “ordem”. Pois não é desordem e tampouco balburdia e arruaça expressar livremente sua orientação sexual ou sua liberdade de politizar o corpo, em contraponto com o que a sociedade é acostumada a ver no cotidiano. O que parece, no entanto, é que quando o par possui mesmo sexo, quando se apresenta de maneira diversa, há uma violação de alguma ordem. Ordem que, segundo sua etimologia, vem do Latim ORDO, “arranjo de elementos feito conforme certos critérios”, “exigência de disposição regrada de elementos, comando”, relacionado ao verbo ORDIRI, “ordenar”. Assim como em sua etimologia, o corpo visto como abjeto emprega o arranjo de elementos seguindo um critério heteronormativo, convencional, limitador.

Foucault, em Vigiar e Punir, p. 215 fala sobre a ordem:

Ela se opõe termo a termo à penalidade judiciária, a qual tem por função essencial se referir não a um conjunto de fenômenos observáveis, mas a um corpo de leis e textos que se deve guardar na memória; não a diferenciar os indivíduos mas de especificar os atos a partir de um certo número de categorias gerais; não a hierarquizar, mas fazer funcionar simplesmente e puramente a oposição binária do permitido e do proibido; não de homogeneizar, mas de operar a divisão, adquirida de uma vez por todas a partir da condenação. Os dispositivos disciplinares criaram uma “penalidade da norma” que é irredutível no seu princípio de funcionamento à penalidade tradicional da lei.

Nosso papel é questionar a ordem. Questionar os limites que nos impõe. Protestar. E ao protestar, lutar para que não nos amarrem, não façam nosso comportamento ser estagnado. Do contrário, estaremos sujeitos aos mesmos porões, à mesma escuridão que os direitos hoje conquistados (e duramente trabalhados no cotidiano para que sejam mantidos) estavam, em prol da defesa do “respeito” e da “ordem” e do que pode ser considerado “certo” ou “errado”.


*Publicado originalmente aqui

segunda-feira, 24 de junho de 2013

acho que vou voltar

Hoje me deu uma vontade de escrever aleatoriamente sobre assuntos do cotidiano, e talvez reativar o blog.

Sei que é meio cansativo abrir mais um espaço de opiniões nesse mundo onde o palco está cheio de gente gritando de maneira atabalhoada sobre todas as coisas para uma plateia vazia.

Talvez seja por isso que me deu vontade de escrever aqui, não pra dividir com os outros, mas para manter o  espaço como um hd externo e um filtro de fidelidade à minha pessoa. Montaigne diz que 

O fundamento de meu ser e de minha identidade é puramente moral: ele está na fidelidade à fé que jurei a mim mesmo. Não sou realmente o mesmo de ontem; sou o mesmo unicamente porque eu me confesso o mesmo, porque assumo um certo passado como sendo meu, e porque pretendo, no futuro, reconhecer meu compromisso presente como sempre meu.

 Então devo revisitar esse coletivo de textos e eternamente me reconhecer. Não me reconhecendo, ficará aqui a minha vergonha exposta publicamente mostrando que não sou (seria) mais o que era (fui).

Parece perigoso, mas ainda assim legal.