segunda-feira, 9 de junho de 2014

sete

Pegou um pedaço que dizia "E todos se riam, sem querer saber da sua alma pequenina, dos seus sonhos maltratados. Por isso, olhou sem pena para o campo que ia deixar. Calculou..."

Sentiu um aperto no peito.

Pegou uma calça dobrada na gaveta da cômoda. Mais um pedaço de papel "Sorrisos. Seus dentes são podres. A mão vermelha não é dele, mas do vizinho, um sujeito de bigode preto. Esse sujeito de big" o pedaço rasgado não concluía a palavra.

Lembrou que não entendeu A Náusea e não terminou Vozes Anoitecidas. Uma pena, queria ler de novo para entender e terminar para outro dia reler. Mas os livros, assim como toda sua biblioteca, ainda aparecem pelas gavetas em retalhos, entre as roupas em trechos indecifráveis, dentro dos tênis denunciando o dia em que ela descobrira a traição, sozinha em casa, com todo o tempo do mundo e toda a imaginação possível.

Pegou um par de meias "Pois o que amamos em nosso amor-próprio são os eus apropriados para serem amados. O que amamos é o estado, ou a esperança, de sermos a..." amassou o papel, suspirou.

Da cama, deitada, com um olho entreaberto, ela sorriu.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

um

Gerânio. Nome de flor. Quantos homens possuem nome de flor? Nunca soube dizer. Subia a Borges pensando em como debocharam dele na infância e em como sua noiva se apaixonou pelo nome. "Me apaixonei primeiro pelo nome, depois pelo homem" dizia. Vou pela escadaria ou por baixo? Decidiu ir por baixo. Entre os teatros, a Duque e a vista, preferiu a melancolia, o cheiro de urina e a paisagem triste do misto de tristeza e resignação de quem dorme por entre as lojas de miscelâneas.

Se sentia pequeno e media a tristeza com os dedos. Sua noiva lhe dera última oportunidade após descobrir uma traição. Não queria ter traído. Também não queria que ela tivesse descoberto. Ah, a internet, essa terra de ninguém, onde Gerânio floresceu de qualquer lugar após a dúvida ter sido plantada.

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Gerânio acordou feliz, afinal. Dois meses se passaram desde o dia mais triste de sua vida. Com a vergonha enterrada bem fundo, não se via mais sinais de dor. Pensava em pedir sua noiva em casamento. Na verdade havia economizado para se permitir o suprassumo do hedonismo: queria provar o artigo mais caro existente de cada um dos seguintes artigos: cerveja, whisky, vinho, caviar, café, hambúrguer e pimenta.

 Ninguém nunca entendeu o porquê da pimenta estar na lista, mas o que Gerânio achava esquisito mesmo era como as pessoas se fixavam tanto na pimenta quando na verdade o esquisito mesmo era gastar uma fortuna com uma iguaria feita da merda de um felino. "Para evitar as lágrimas, se experimenta até merda com açúcar" pensou.